A autora Hebe Mattos no capítulo Conflito e coesão na comunidade escrava nos convida a compreender como certas experiências no cativeiro confrontam uma afirmação homogeneizante de harmonia coletiva nas relações dos escravizados, confirmando a nós como os escravizados teciam configurações sociais e culturais a partir de vivências muito particulares. Neste sentido, a escravidão foi marcada por alianças, conflitos, hierarquias e solidariedades entre os próprios escravizados e outros grupos, entre os quais incluíam os senhores.
O ponto de atenção e questionamento da autora se voltam para o momento em que o “escravo” Félix da Fazenda Carrapato no Rio de Janeiro se torna o assassino do feitor Anselmo. Este ato criminal não apenas revela a existência de conflitos entre sujeitos de um mesmo grupo social, mas também expressa hierarquias entre esses que por vezes de forma equivocada eram reduzidos como iguais, uma vez como discute a autora, fica evidente no esforço do curador durante o inquérito em reafirmar ao feitor a diferença que carregava. O curador refere-se a Félix como seu parceiro, na tentativa de fixar a distinção entre livres e “escravos”, pois a atividade de feitor estava ligada à posição de homem livre. Entretanto tal significado de ser feitor no fazer cotidiano e na relação de confiança com seu senhor dava ao escravizado uma condição melhor como é possível observar no caso do feitor Silvério que dormia em outro lugar distante dos que dormiam na Senzala, ao passo de que isso possivelmente formava um sentimento de liberdade dentro do sistema de escravidão.
As roças de subsistências também expõem os lugares sociais ocupados por escravizados internamente nas fazendas. As roças não apenas mostravam estratégias entre senhores e escravizados, mas moldavam expressões e limites de liberdade e controle que novamente geravam conflitos e hierarquias. Podemos perceber no caso de Benedito, escravizado idoso e antigo na propriedade de seu dono. Possuir uma roça fez nutrir a reação dos “escravos” Antônio e Pedro, feitor, de matá-lo por terem sido obrigados, pelo senhor, a trabalharem na roça de Benedito acorrentados e após terem fugir.
Ressalta-se o fato de a posição do feitor gozar da regalia de andar portando armas brancas, pois assim esperava o senhor de laços de confiança com quem escolhia. Mas apesar disso, no caso de Pedro, a união aos outros escravizados revela como as alianças eram variáveis e muito específicas diante de situações, mostrando como levavam em conta o próprio interesse, pesando as vantagens para si mesmo frente aos desafios de estar em condição de “escravo”.
AUTORA
Talita Almeida do Rosário é graduada em Licenciatura- História pela Universidade Federal do Pará - Campus de Ananindeua. Este é um texto dissertativo foi uma prova realizada em 2020 para a disciplina “História do negro e do afrodescendente no Brasil”.
REFERÊNCIA
MATTOS, Hebe. Conflitos e coesão na comunidade escrava. In: Das cores do silêncio. Campinas: Editora da Unicamp, 2013, p. 115-130.
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