Texto por:
Wendell P. Machado Cordovil
Eu sempre tive desejos
- o meu enorme martyrio, de vê de perto os festejos -
que sóem fazer do Círio
os patrícios do Sodré
nas festas de Nazareth. [...]
Eis aqui, minha Maria,
o grande Círio o que é;
o acto mais importante das festas de Nazareth.
Sobre os festejos pomposos, do decantado arraial,
se der licença o Faria,
não levando o caso a mal,
eu tentarei descrever-te
em tendo tempo, outro dia. (1)
Esse trecho, do poema assinado por Silva e publicado na Folha do Norte em 1896, revela um pouco do que já era o Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará ainda no século XIX. O eu lírico, um homem saído de Manaus, no Amazonas, escreve uma carta para sua amada. Entre narrar sua chegada no porto de Belém e a procissão do Círio, o homem expressa seu encanto com toda a festa religiosa. No fim do poema manifesta o desejo de contar sobre os "fesejos pomposos" que ocorriam na Festa de Nazaré, mas suas linhas restantes não eram suficientes para descrever todas as belezas vislumbradas no arraial. Os detalhes presentes nos festejos ficariam para "outro dia".
Com certeza muitos eram os detalhes para escrever. Afinal, as festas de Nazaré, ou Nazareth segundo a grafia do período, movimentavam a compra e venda de roupas novas (HAGE, 2013), jóias e outros itens importados, alimentos muito variados (MACÊDO, 2016, p. 256) e contava até mesmo com apresentações de espetáculos diversos para o deleite do público frequentador.
Entre esses espetáculos eram rotineiras as exposições. Temas com capacidade de gerar interesse no público eram expostos como entretenimento aos fiéis. Uma dessas exposições - que atualmente, dependendo da forma que fosse realizada, poderia não ser adequada - ocorreu em outubro de 1876. Foi divulgada como "Exposição dos indios" e ocorreu em frente a ermida, pequena igreja dedicada a Nossa Senhora de Nazaré, em um domingo. Dividida em dois atos, a exposição aparentemente foi um desfile de "indios, chegados ultimamente do Amazonas" em que trajavam "as vestimentas de seu uso, enfeitadas de lindissimas pennas das mais raras aves" (2) enquanto executavam "suas danças, ao som de gaitas, tambores, etc".
O desfile dos indígenas era descrito como uma boa atração para os "amantes de novidades". Porém, uma "novidade" muito maior seria uma exposição apresentada na Festa de Nazaré do ano de 1880. Chamada de "original" e "interessante", a esposição era mencionada como imperdível. No "arraial de Nazareth, por traz da ermida" a exposição que deveria ser vista por todos era "a dos crocodillos".
Na Festa de Nazaré daquele ano foi montado "um grande tanque cheio d'água". Expostos para a vista do público, iluminados por "bicos de gaz", estavam alguns "desses ferozes amphibios". Segundo se noticiou da exposição, entre os crododilos que poderiam ser vistos pelos frequentadores constava um que media mais de quatro metros. Para os interessados o convite era feito: "os crocodillos acham-se presentemente expostos á apreciação publica em Nazareth" (3).
Em 1880 realizaram uma exibição que nos dias atuais seria muito incomum para os festejos de Nazaré. O tanque com crocodilos seria um entretenimento digno de registro em carta de Silva para sua amada Maria, caso tivesse encontrado com tal exposição. Caso não gerasse felicidade, talvez produzisse algum temor. Até porque alguns devem ter pensado na possibilidade de fuga dos crocodilos. Contra isso muitos iriam se valer da fé em Nossa Senhora de Nazaré.
Notas:
(1) CARTAS BELEMNITAS. Folha do Norte, Belém, ano I, n. 291, p. 1, 17 de out.1896.
(2) EXPOSIÇÃO DE INDIOS. A Tribuna, Belém, ano 6º, n. 49, p. 2, 07 de dez. 1876.
(3) EXPOSIÇÃO DE CROCODILLOS. O Liberal do Pará, Belém, ano XII, n. 254, p.1, 09 de nov. 1880.
Referências:
HAGE, Fernando. Vestuário e história pelas ruas de Belém. dObra [s]–revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, v. 6, n. 13, p. 94-102, 2013.
MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira de. A cozinha mestiça: uma história da alimentação em Belém (fins do século XIX a meados do século XX). 2016. 323 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, 2016. Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia.
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