Entrevista com a Dra. Sidiana Ferreira de Macêdo - História da Alimentação, percurso da historiadora e o VII Colóquio de História da Alimentação e Abastecimento na Amazônia
Entrevista por
Wendell P. Machado Cordovil
Com Doutorado em História pela Universidade Federal, Mestrado e Graduação em História por essa mesma instituição, a Doutora Sidiana da Consolação Ferreira de Macêdo é historiadora referência no campo de pesquisa da História da Alimentação na Amazônia. É fundadora do Grupo Alere. O Grupo é vinculado ao CNPq e é focado em pesquisas acadêmicas relacionadas com a alimentação. O Grupo Alere realiza este ano o VII Colóquio de História da Alimentação e Abastecimento na Amazônia, reunindo diversas pessoas que pesquisam o campo da Alimentação.
O Grupo Ananins entrou em contato com a Doutora Sidiana de Macêdo, autora do livro "Daquilo que se come: uma História do Abastecimento e da Alimentação em Belém - 1850-1900" além de diversos artigos e capítulos de livros, com algumas perguntas sobre História da Alimentação, sobre o percurso da historiadora em torno da temática e sobre o atual VII Colóquio do Grupo Alere. Agradecemos a disponibilidade da Doutora Sidiana Ferreira de Macêdo em participar da entrevista.
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Doutora Sidiana Ferreira de Macêdo. |
GRUPO ANANINS - A temática da alimentação ganha destaque há algum tempo na pesquisa em História, mas ainda não é um campo tão difundido na Historiografia. Algo curioso para regiões como o Pará, em que a alimentação é frequentemente apresentada como parte importante da identidade do “ser paraense”. Doutora, o que é essa História da Alimentação e do Abastecimento e como foi o seu percurso para chegar até esse campo? Teve a ver com cultura alimentar da região e dessa identificação com a comida regional?
DRA. SIDIANA DE MACÊDO - A História da Alimentação é um campo “recente” na historiografia brasileira, quer dizer, há menos de 20 anos ela ganha protagonismo. Costumo dizer que temos na última década um “boom” para a temática. E claro que isso está atrelado as mudanças em relação a como as sociedades pensam a cultura alimentar. Cada vez mais as sociedades pensam a importância das práticas alimentares para se entender ela própria de diversas perspectivas. Títulos e prêmios são criados, a exemplo, do título de cidade criativa da gastronomia da UNESCO, que reforçam esse papel de destaque nas culinárias e cozinhas regionais. E eu penso que esse é um caminho sem volta!
A história da alimentação tornou-se meu objeto de pesquisa em 2006, quando estava terminando a graduação. Foi quando eu estava pensando em num projeto de mestrado. Na graduação, eu trabalhei com os engenhos em Abaetetuba que estavam localizados na região do baixo Tocantins, onde tinha até o início do século XX, produção de cana-de-açúcar e da cachaça. Só que eu trabalhei no aspecto da cultura material, olhando o que que esses engenhos tinham de objetos, o que que esses engenhos tinham de produção de cultura material, para pensar mesa, para pensar a casa, pensar a estrutura de trabalho dos engenhos. Lembro de um documento que eu havia encontrado no Arquivo Público do Estado do Pará, era um abaixo assinado dos moradores ali do entorno do Curro Municipal em que eles falavam do mal cheiro, que vinha da venda das mulheres que vendiam as carcaças e os restos que não eram levados para os açougues da carne, elas vendiam ali, tipo os miúdos, os toucinhos e aquilo tinham um cheiro “ruim” e atraia urubus. Ali eu tive um start sobre o a possibilidade de estudar a História da Alimentação. Era a História da Alimentação se apresentando para mim, através de um documento, tema até então desconhecido para mim. Na época eu não tinha nenhuma leitura mais aprofundada sobre a temática, porque a graduação ela não havia me permito essa leitura. Eu tinha a dimensão que era um objeto de estudo pela Escola dos Annales e por outros estudos que os Annales e a graduação traziam para a gente. Foi quando percebi que a História da Alimentação de Belém, era viável, já tinha uma produção muito grande na historiografia internacional sobre isso, mas pouco se discutia na prática na formação que eu tive, a gente já tinha aqui um trabalho da professora Leila da UFPA, que abordava as populações ribeirinhas e a antropologia tinha muita coisa também. Então eu disse, olha, isso é possível para estudar pelo viés da alimentação. Resolvi fazer meu o meu projeto de mestrado assentado na história da alimentação, comecei então a centrar minhas pesquisas e trabalhar a história da alimentação aqui no Pará nessa perspectiva mais no viés da historiografia mesmo.
E essa temática tem permeado toda a minha produção, pesquisa e trabalho na UFPA. Com os alunos da graduação. A minha meta é uma disciplina que foque a temática da História da Alimentação na graduação, porque ainda há um distanciamento muito grande de perceber a importância da temática da história da alimentação no ensino de história. E isso é interessantíssimo, porque as universidades se fecham para temas como esse. E esse olhar ele é muito forte em muitas faculdades, então, a gente precisa mudar isso, porque tratar da história da alimentação no viés da historiografia, mas também da licenciatura e bacharelado é estar acolhendo um tema que é tão fundamental na História da Humanidade.
GRUPO ANANINS - Como surgiu o interesse e o planejamento para fundar o primeiro Grupo de Pesquisa sobre História da Alimentação e Abastecimento na Amazônia, o Grupo Alere?
DRA. SIDIANA DE MACÊDO - É importante falar que a minha entrada como professora efetiva na Universidade Federal do Pará é recente, data de 2016. Entretanto, desde 2007 eu já vinha pesquisando e entrando em contato de leituras com grupo do Prof. Carlos Roberto Antunes dos Santos, professor do Paraná. Eles tinham um site que até hoje tem acesso que era de história da alimentação e na época eu tinha feito a leitura do livro dele, “História da alimentação no Paraná”, pioneiro no Brasil nessa temática e não só o pioneiro no sentido de trazer o debate, mas de criar um grupo de pesquisa lá no Paraná, uma disciplina na grade da Universidade em que ele atuava e também de orientar alunos de graduação e pós-graduação. A atuação do professor foi uma grande inspiração para mim. O professor Carlos Santos faleceu muito cedo e eu não tive oportunidade de estar com ele em nenhum evento, mas ele se tornou um nome muito importante, grande parte dos alunos dele hoje trabalham ainda com a temática direta ou indiretamente.
Quando eu entrei na universidade em 2016, como professora efetiva, um dos meus desejos era formar um grupo de pesquisa para estudar a história da alimentação. Em uma das minhas aulas falei para os alunos sobre esse desejo. Era primeira turma da nossa faculdade, uma turma maravilhosa. E eu comentei com eles que queria um grupo de pesquisa vinculado ao CNPq, para estudar a história da alimentação e quem estivesse interessado me procurasse. Uma das alunas, a Layane Sousa [que está até hoje no grupo, fundadora do Alere] fez uma lista, eles se animaram, a lista passou na sala, no final da aula, eu tinha uns 20 alunos, todos interessadíssimos, e foi com esses alunos que começa o ALERE. O Alere nasceu com alunos de graduação da turma de 2016 da faculdade de História do Campus de Ananindeua. São fundadores do Alere: Wendell Cordovil, Athos Guimarães, Francicléia Pacheco, Victória Murakami, Talita do Rosário, Eliandra Rodrigues, Adriane Soares, Elbia Souza, Amanda Reis, Carolyn Pinheiro, Ian Monteiro e Kleoson Costa. Esses alunos foram uma base muito importante porque abraçaram mesmo o grupo, a temática, os assuntos, mesmo estando na área das licenciaturas, alguns deles já defenderam os trabalhos no tema. E continuam no grupo de maneira muito atuante. Parte deste ex- alunos(as), hoje colegas de profissão, fundaram o grupo dos Ananins.
GRUPO ANANINS - O Alere também foi o responsável, e continua sendo, pelos Colóquios de História da Alimentação e Abastecimento na Amazônia. Pelo que parece, esse evento acadêmico não se limita aos historiadores, mas participam desde profissionais da História até do Turismo e Gastronomia. Isso foi pensado desde o início ou se construiu na experiência com os eventos? Os membros do Grupo são de áreas diversas assim também?
DRA. SIDIANA DE MACÊDO - O evento do Colóquio de História da Alimentação e Abastecimento na Amazônia que acontece em setembro desde o início foi pensado para permitir diálogo entre História da Alimentação, Antropologia da Alimentação e Gastronomia. Eu penso que esse era o caminho natural em um grupo que esteve aberto desde o início a interdisciplinaridade. No I Colóquio nós tivemos um painel de gastronomia com degustação o que contemplava a gastronomia da nossa região. O Colóquio de História da Alimentação e Abastecimento na Amazônia é um evento que desde 2018, tem caráter internacional além de ser bem consolidado e fixo. Na atualidade, temos pesquisadores das três linhas de atuação e que são bem atuantes. Somos um grupo [talvez o primeiro] interdisciplinar, tanto com alunos da gastronomia, quanto com alunos e professores da antropologia e história da alimentação. É da história, mas desde o início, tivemos membros da antropologia, da gastronomia, o meu vice coordenador, é da antropologia da alimentação, é o professor Carlos Dias jr. que também é da UFPA e que trabalha com feiras, mercados em Cametá-PA. Outro dia, uma pesquisadora de São Paulo, comentou comigo sobre como o Alere conseguiu se consolidar nestes três campos interdisciplinares. E veja que desde 2017, já estávamos atuando desta forma. E se hoje, temos mais eventos voltados para a Gastronomia, naquela época não era assim. Então, penso que temos esse importante protagonismo. O Colóquio do Alere desde 2017 é um evento internacional de médio e grande porte. Com participações de professores e apresentadores de comunicação de vários países como Portugal, México, Colômbia, Argentina e Peru.
GRUPO ANANINS - Este ano o evento está na sua 7ª edição. Deveria estar na 8ª, mas ano passado (2023) não ocorreu. Como se deu essa opção de não realizar o evento em 2023 e o que o público pode esperar para essa atual edição do Colóquio?
Eu sempre tive muito orgulho de dizer que mantivemos nossas atividades mesmo durante a pandemia que não havíamos deixado nenhum ano sem Colóquio, nem mesmo naquele momento tão ruim, eu até acho que para muitos de nós, manter as atividades nos ajudou a estarmos juntos enfrentando aqueles dias tão difíceis que fora a pandemia. [Fizemos uma edição online]. Mas, tenho um orgulho maior ainda em ver que hoje somos um grupo consolidado e respeitado academicamente. E nesse caso, as pausas também são importantes para o nosso crescimento. Ano passado, focamos em nosso grupo interno, em nossas reuniões de estudos, a escrita de um livro com membros do grupo [ que está no prelo]. A pausa também é importante para que nossos membros cresçam nas suas pesquisas e projetos. Assim, neste ano voltamos mais fortes e maduros. Pelo panorama que já temos o VII Colóquio está um sucesso em numero de inscritos e participação internacional. Internamente, estamos todos focados em fazer um evento acadêmico produtivo e memorável para todos que estão participando. Vamos lá!!!
GRUPO ANANINS – Para finalizar, o campo da Alimentação ainda tem espaço para mais pesquisadores interessados, seja no campo da História ou em outras áreas das Humanidades, em investigar essa temática? No caso da História, quais documentos podem se tornar fontes de pesquisa? Existem autores que não podem faltar na Bibliografia? E, além disso, existe espaço para a História da Alimentação na disciplina lecionada no Ensino Básico?
O campo da Alimentação é inesgotável para nós pesquisadores. O tema é repleto de possibilidades de análises e pesquisa. É possível estudar uma história do abastecimento a partir da agricultura, de um único produto específico, das bebidas, das mesas no âmbito social, político e social. Das diversas práticas alimentares e como estas foram se constituindo na humanidade. É possível estudar a cozinha, os pratos, as etiquetas, o mundo do trabalho, os utensílios domésticos, os alimentos, a fome, os alimentos e a religião, alimentação ancestral, a falta e a abundância de alimentos, politicas sociais em torno do alimento, uma história das fábricas e muito mais.
Também existe farta documentação para os pesquisadores jornais, documentação oficial de abastecimento, abaixo-assinados, manifestos de navios, relatos de viajantes, folhas comerciais, anúncios, fotografias, documentários, imagens, comerciais e tantos outros. É realmente um tema fartíssimo de fontes.
A Bibliografia do tema está cada vez mais rica. Muitas pesquisas estão saindo das Universidade na atualidade e isso é excelente. Não se pode deixar de ler: Massimo Montanari, Luís da Câmara Cascudo, Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss para começar. História da Alimentação deveria ser uma disciplina obrigatória nas escolas de todo Brasil. Ensinar História a partir da alimentação e as práticas alimentares de uma dada sociedade e permitir que os alunos(as) conheçam a si mesmos e de seus ancestrais. Permite que eles entendam a importância do alimento e tudo que envolve o mundo da alimentação na sua vida. Penso que ensinar a partir da História da Alimentação é permitir que cada um se aprenda e se reconheça dentro da sua própria identidade.
Referências:
Entrevista realizada por e-mail com a Doutora Sidiana da Consolação Ferreira de Macêdo, 16 de setembro de 2024.
MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira de. A cozinha mestiça: uma história da alimentação em Belém (fins do século XIX a meados do século XX). 2016. 323 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, 2016. Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia.
MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira de. Daquilo que se come: uma história do abastecimento e da alimentação em Belém (1850-1900). 2009. 227 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, 2009. Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia.
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